14 de outubro de 2013

FERNANDO SABINO MARCOU UM ENCONTRO DEFINITIVO COM A LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Obra do autor, que sábado passado faria 90 anos, está viva e seu estilo ajudou a consagrar a crônica como gênero nacional.

 Fernando Sabino completaria neste sábado 90 anos. 

Uma idade e tanto para quem tinha como projeto de vida ser um menino e morreu, na véspera do Dia das Crianças, há nove anos. Sua obra é hoje um patrimônio da cultura brasileira, mas é sobretudo uma experiência de vida para milhões de pessoas. Poucos escritores partilharam com o público a sensação de amizade, de conversa entre iguais, de ler como quem divide um segredo. E ele sabia usar essa gentileza de muitas formas: pela aproximação ao mistério da vida que brota do banal, pela confissão de seus descaminhos de alma de forma sempre corajosa, ou, mais profundamente, como no romance 'O encontro marcado', mergulhando na difícil experiência humana do amadurecimento.

O escritor belo-horizontino começou cedo na literatura, tendo publicado o primeiro livro, 'Os grilos não cantam mais', aos 18 anos. O estreante recebe então carta elogiosa de Mário de Andrade, que passa a orientá-lo em correspondência depois reunida no livro 'Cartas a um jovem escritor', editado em 1982. Fernando assumiu ainda muito jovem responsabilidades convencionais, casou-se e mudou-se para o Rio de Janeiro em 1944. De certa forma, parece ter pulado etapas, o que explicaria essa ambição lírica permanente pela recuperação da infância. Neste caminho, a publicação de 'O encontro marcado' ganha significação única em sua obra. Foi seu livro mais lido, passa das 100 edições, e é a mais realizada artisticamente de suas obras. 

Sabino elaborou um retrato ao mesmo tempo intenso da angústia jovem e dos costumes de uma sociedade fechada. O tema é um clássico e sua realização ainda insuperada na literatura brasileira. Pode-se compará-lo com outros romances estrangeiros, como 'O apanhador no campo de centeio', do norte-americano J. D. Salinger. Mas Sabino é mais maduro e profundo. Salinger, embora encante na linguagem e na evocação da fragilidade da juventude de maneira quase sublime, foge do sexo e deixa parte da vida de fora. Nosso romancista não cometeu com os jovens brasileiros descortesia de lhes recusar as demandas do corpo. O livro se abriria a leituras psicanalíticas, políticas e teológicas, sem se esgotar em nenhuma delas.

Romance de geração. Esta tem sido a definição mais presente quando se fala de 'O encontro marcado'. É certo que o romance apresenta a atmosfera moral de uma época bem marcada pelas referências de tempo e espaço. No entanto, com seu peso autobiográfico, é livro igualmente forte na psicologia e no sentimento. Essa ambiguidade entre razão e emoção – talvez a melhor definição do momento de transição da vida em direção ao amadurecimento – explica a continuada identificação com os leitores jovens de outros tempos. Há uma experiência definitiva em literatura: a releitura. Quem busca, tempos depois, 'O encontro marcado' certamente será capaz de sentir a vitalidade do romance. Ele permanece em contato com a alma jovem e angustiada que muita gente teima em soterrar com os valores da indiferença.

O romance foi lançado em 1956, o mesmo ano de 'Grande sertão: veredas', de Guimarães Rosa, e de 'A maçã no escuro', de Clarice Lispector (que, no entanto, seria publicado alguns anos depois). Juntos, os três configurariam o triângulo da literatura brasileira do período, abrindo flancos em direção à literatura urbana, à pesquisa psicológica e à saga metafísico-regional, em seus momentos de melhor e mais madura realização. 'O encontro marcado' acabou por se tornar tão gigantesco que se firmou como a obra máxima na bibliografia de Sabino. 

A forma de superar esse maciço literário, que poderia paralisar seu autor, se deu por meio da multiplicação de formas literárias e interesses humanos e artísticos. O escritor ensaiou trabalhos no cinema, fundou a produtora Bem-Te-Vi, dividiu a carreira de empresário com Rubem Braga nas editoras do Autor e Sabiá, escreveu livros de viagens, uma série de pequenos perfis e se dedicou ao jazz, uma de suas paixões, como baterista amador. Para testar seus instrumentos, publicou versão romanceada do evangelho “segundo o humor de Jesus”, 'Com a graça de Deus', e uma variação literária para 'Dom Casmurro', de Machado de Assis, 'Amor de Capitu'. 

Da intensidade metafísica, Sabino passaria para a literatura de entretenimento. Sempre com um estilo sofisticado e simples (receita que apenas ele e Rubem Braga pareciam conhecer), ajudou a firmar a crônica como um gênero literário tipicamente nacional. Escreveu centenas de textos para jornais, entre eles o Estado de Minas, que reunidos em livro se tornariam clássicos, como 'O homem nu' e 'A inglesa deslumbrada'. Seu segundo romance, 'O grande mentecapto', que lhe custou mais de 30 anos de elaboração, se nutre em parte do humor dos escritos de circunstância, mas temperados com a sabedoria do tempo, na melhor tradição da literatura picaresca. Em 1982 lança o romance de reminiscências da infância, 'O menino no espelho'. Seu quarto romance, 'Os movimentos simulados', trabalho de juventude, só seria publicado no ano de sua morte, em 2004.

Extraído do sítio UAI

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