2 de outubro de 2013

DEPRESSÃO: O GRANDE DESAFIO CONTEMPORÂNEO - Gilmar Torquato


Ainda uma incógnita, a patologia será o problema de saúde mais comum no mundo, em menos de 20 anos. Só no Brasil, estima-se que atinja 38 milhões de pessoas. Especialistas avaliam o transtorno mental sob várias perspectivas em busca de tratamentos eficientes.

Mais de 350 milhões de pessoas de todas as idades sofrem de depressão no planeta. A estimativa assustadora da Organização Mundial da Saúde (OMS) é compensada por uma boa notícia: hoje contamos com mais informação e mais opções de tratamento. Nesse caso é fundamental inteirar-se sobre o que há nos campos da medicina e da psicoterapia, e esclarecer dúvidas e preconceitos sobre o transtorno pode ser o primeiro passo para encontrar a estratégia, ou a combinação de várias, mais adequadas. As estimativas variam. mas sem nos deixarmos seduzir pelo exagero, é muito provável que pelo menos um em cada dez de nós enfrente a depressão em alguns momentos da vida. Os sintomas são cruéis: incluem perda de interesse na vida, insônia, impotência, exaustão crônica e até mesmo aumento do risco de doenças, como cardiopatias. A patologia também leva ao isolamento, uma tendência agravada ainda mais pelo estigma associado ao quadro, o que faz com que tanta gente evite procurar tratamento. Quando não tratada, a depressão pode levar ao suicídio – a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima-se que a cada 40 segundos uma pessoa atente contra a própria vida de forma direta. Todos esses fatores contribuem para que quadros depressivos sejam hoje considerados como principal causa de incapacitação.

Mas afinal, o que leva alguém à depressão? A questão, tão complexa, pode ser compreendida sob vários olhares. Fatores genéticos e experiências vividas com pais na infância podem ter grande influência para o aparecimento da doença. Nada disso, porém, determina com certeza que a pessoa apresentará sintomas. Há características específicas de cada um que fazem com que pessoas diferentes reajam de formas diversas às mesmas experiências. Para a psicanálise, a depressão pode ser entendida como o rompimento da rede de sentidos e amparo. “É o momento em que o psiquismo falha em sua atividade e deixa entrever o vazio que nos cerca, ou o vazio que o trabalho psíquico tenta cercar; é o momento de um enfrentamento insuportável com a verdade”, afirma a psicanalista maria Rita Khel, autora do livro O tempo e o cão (Boitempo), ganhador do prêmio jabuti de melhor livro do ano de não ficção em 2010, que trata do tema da depressão. Algumas pessoas conseguem evitá-lo a vida toda, outras passam por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro lado. “Mas há os que não conhecem outro modo de existir, são órfão da proteção imaginária do ‘amor’, trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede protetora embaixo deles”.

O escritor americano Andrew Solomon, autor do livro O demônio do meio-dia (2002), no qual discorre amplamente sobre a depressão, escreve: “A depressão é uma imperfeição do amor”. Por cinco anos ele pesquisou a patologia – relatos de pacientes, causas e efeitos, tratamentos, hipóteses bioquímicas, estatísticas. Recolheu histórias de vida de dezenas de pessoas que passaram por crises depressivas. O trabalho é embasado em sua própria vivência de episódios de depressão.


Do ponto de vista estritamente biológico, há consenso de que a patologia resulta de um desequilíbrio químico do cérebro. E a serotonina é o principal “suspeito” de ser o vilão da história, já que muitos estudos têm relacionado a depressão a baixos níveis de neurotransmissor, o que dificulta a propagação de mensagens através das sinapses (os pequenos espaços entre os neurônios).

A teoria era de que um aumento nos níveis de serotonina deve retornar dinâmica neural e o humor para níveis “normais”. O primeiro medicamento baseado na hipótese de serotonina – fluoxetina, mais conhecida como Prozac – foi lançado no final dos anos 80 e quase todos os antidepressivos subsequentes têm operado com o mesmo princípio geral: manter os níveis de serotonina elevados, impedindo o cérebro de reabsorvê-los.

Mas há um porém: embora tais drogas permaneçam como ferramentas importantes no combate da depressão, esses produtos parecem estar ficando cada vez menos eficazes. Há duas décadas, 1,5% da população dos Estados Unidos sofria de depressões que exigiam tratamento. Hoje esse número subiu para 5%. Parece impossível não se perguntar se a doença cresce com o desenvolvimento da medicina ou se a indústria farmacêutica produz as doenças para os remédios que desenvolve, do mesmo modo que outros ramos empresariais criam mercados para seus produtos. Boas escolhas: hábitos saudáveis, como meditação e alimentação rica em legumes e frutas, podem ajudar a prevenir o desequilíbrio.

Estudos clínicos desenvolvidos entre 1980 e 1990 indicaram que essas drogas ajudariam em torno de 85% dos pacientes a entrar em remissão. Mas os estudos na década de 2000 mostraram que os antidepressivos-padrão funcionam apenas em 60% a 70% dos casos – um declínio ressaltado quando o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), em Bethesda, Maryland, publicou os resultados de uma ampla pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos. Ao contrário de muitos ensaios farmacêuticos – que muitas vezes “filtram” participantes – este foi o primeiro a medir a eficácia dos antidepressivos em uma amostra da população do mundo real.

O que pode explicar a aparente diminuição na potência de antidepressivos? Talvez os próprios fármacos nunca tenham sido tão eficazes como foi apregoado pela mídia. Para aprovar determinado medicamento, a Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador dos Estados Unidos, só quer dois estudos de grande escala para verificar se a droga é superior a um placebo. No entanto, as empresas farmacêuticas não têm obrigação de fornecer ao FDA todos os estudos que realizaram, apenas os positivos.

Se de um lado pesquisas recentes trazem resultados preocupantes, de outro é inegável que para inúmeras pessoas que sofrem de formas mais graves da patologia os medicamentos se caracterizam como sinal de esperança – ainda que não sejam soluções definitivas e prontas como tantos anseiam. Mesmo sabendo já de antemão que novos produtos não funcionarão igualmente bem para todos, eles trazem alguma esperança.

Uma dessas substâncias, ainda em estudo, voltada para pacientes resistentes aos antidepressivos é a cetamina (ou quetamina), anestésico já usado de maneira ilícita como alucinógeno. No maior estudo clínico até o momento, com 72 participantes, pesquisadores da Escola de Medicina Icahn, no hospital da Universidade Monte Sinai, em Nova York, descobriram que pessoas que não conseguiram responder a nenhum outro tratamento experimentaram alívio de pensamentos suicidas. Cientista ainda não sabem precisar o risco da droga, nem quando estará liberada para consumo, mas estudos mostram que, aplicada por meio de injeção, tem potencial de desbloquear receptores de glutamato (neurotransmissores que estimulam as sinapses e, segundo vários pesquisadores, têm níveis muito baixos no cérebro de pessoas deprimidas). Uma vantagem da droga é fazer efeito em menos de uma hora, principalmente considerando que os antidepressivos que existem atualmente no mercado levam pelo menos 15 dias para começar a fazer efeito – uma eternidade para quem está mergulhado no sofrimento. O glutamato desempenha papel fundamental no cérebro, favorecendo processos complexos como aprendizagem, motivação e memória e plasticidade. Vários pesquisadores acreditam que os níveis de glutamato são muito baixos no cérebro da pessoa deprimida, assim como acontece com os de serotonina.


Mas é aí que determina a semelhança. Em vez de simplesmente ajudar no transporte de mensagens entre os neurônios, o neurotransmissor pode influir na plasticidade, contribuindo para incrementar a capacidade de reparação dos neurônios. Essa hipótese é coerente com uma teoria que vem ganhando destaque nos últimos anos, segundo a qual a depressão faz com que alguns dos prolongamentos das extremidades dos neurônios, os dendritos, tendam a murchar. É como se as sinapses se tornassem “pontes quebradas”, o que impede a transmissão das mensagens. Entre outras evidências para apoiar essa teoria está a constatação de que cada episódio sucessivo de depressão parece deixar as pessoas mais vulneráveis a um episódio subsequente.

Terapia ao alcance das mãos

A forma como usamos nossas mãos pode ter papel crucial na prevenção de episódios depressivos. Para compreender essa relação é preciso levar em conta que as estruturas motoras que controlam nossos movimentos estão intimamente conectadas ao centro de recompensas cerebral, onde registramos prazer, e à área cortical, que controlam o processo de pensamento superior. A ligação das regiões neurológicas permite o controle de ações, emoção e pensamento. Ao desenvolvermos atividades que envolvem vários desses componentes acionamos o circuito de recompensas impulsionadas pelo esforço. Parece que quanto mais esse sistema impulsionado pelo esforço é ativado e mantido em ação, maior o senso de bem-estar psicológico: é como se uma corrente elétrica estivesse passando por toda a rede. Isso ocorre, por exemplo, quando a pessoa instala um novo acessório de iluminação que exige as duas mãos. As conexões neurais são então reforçadas e as células dessas áreas do cérebro permanecem “ligadas”, secretando neurotransmissores como dopamina e serotonina, envolvidas na deflagração da sensação de bem-estar. Há fortes indícios de que todo esse processo estimula a neurogênese (produção de novas células cerebrais) e um fator importante na recuperação da depressão.

Os gestos manuais ativam áreas maiores do cérebro do que movimentação de partes bem maiores do nosso corpo, como costas e pernas. Ou seja: organizar fotografia em um álbum (à moda antiga mesmo) e tricotar um suéter são atividades que podem nos distrair das tensões da vida e ocupar o cérebro de maneiras intensas e benéficas à saúde mental. passear no parque ou ir á academia para malhar – particularmente se você considera essas atividades significativas – também podem estimular substâncias neuroquímicas importantes para o equilíbrio emocional, como a serotonina e as endorfinas. Alguns especialistas chegam mesmo a suspeitar que tais atividades podem altera o cérebro de uma maneira mais significativa que qualquer dose de um medicamento isolado conseguiria. “Quando encaramos um desafio, embarcamos no dinâmico processo de tomar a decisão sobre uma estratégia eficiente, de implementar um plano e de observar o desfecho desejável; é como se o cérebro ‘tomasse notas’ dessas situações para poder acessar estratégias de respostas similares no futuro”, explica a neurocientífica e psicóloga Kelly Lambert, professora titular da cadeira de psicologia da Randolph-Macon College.

“Assim como um triatleta deve exercitar os músculos repetidas vezes com séries simples de exercícios antes de participar de uma longa prova, qualquer pessoa também precisa enfrentar experiências positivas contínuas com recompensas simples impulsionadas pelo esforço para executar a complexa ginástica cerebral que enriquece a vida psíquica”, afirma. Segundo ela, qualquer coisa que nos permite ver uma clara conexão entre esforço e consequência – e aquilo que ajude a nos sentir no controle de uma situação difícil – é uma espécie de vitamina mental que contribui para aumentar a flexibilidade e funciona como amortecedor contra a depressão.

O cérebro e a palavra


Outra técnica experimental no Brasil, que também acena como perspectiva para pessoas em estado grave, que não respondem a outros tratamentos, é a estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês). Nesse caso, os médicos colocam cirurgicamente dois eletrodos no cérebro. Os dispositivos, ligados a uma bateria presa ao tronco do paciente, enviam impulsos elétricos constantes. A proposta é que a estimulação promova a liberação de neurotransmissores, causando a diminuição dos sintomas.

Já a estimulação magnética transcraniana (EMT) superficial, reconhecida há um ano no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, favorece a circulação sanguínea por meio da ação de ondas eletromagnéticas. Indolor e não invasivo, o tratamento estimula a atividade cerebral e é indicado para pessoas que não respondem aos medicamentos nem às psicoterapias. Atualmente pesquisadores estão testando também formas profundas de estimulação.



O procedimento prevê que o terapeuta se coloque de forma ativa, sem pretensão de manter a neutralidade, apresentando suas ideias e sentimentos – diferentemente do que em geral ocorre na terapia clássica. tradicionalmente, a psicoterapia busca modificar vivências fora da relação terapêutica, como conflitos no trabalho ou lembranças de um acontecimento traumático. Mas o paciente costuma transpor suas experiências de aprendizagens anteriores para muitas pessoas – especialmente para o terapeuta. O conceito de transferência foi desenvolvido por Sigmund Freud no início do século passado e desde então vem sendo aprofundado por vários psicanalistas. Embora adeptos de outras abordagens, como a terapia cognitivo-comportamental, muitas vezes combatam as ideias propostas pela psicanálise, o CBASP toma por base esse movimento psíquico e propõe que o próprio terapeuta estimule o desencadeamento de pensamentos, sentimentos e comportamentos depressivos no paciente – com o intuito de modificar padrões de reação inadequados.

Nessa abordagem, ao relatar as próprias reações ao comportamento dos pacientes, o psicoterapeuta espera que as pessoas percebam que quando agem de forma depreciativa e hostil normalmente causam consternação ou irritação nos outros. Além disso, se dão conta de que, com atituds simpáticas e generosas, despertam desejo de proximidades e gratidão e ainda notam que têm mais chances de obter ajuda com pedidos francos de apoio. No decorrer da terapia, o paciente reconhece que o terapeuta se comporta de forma diferente das pessoas de referência marcantes de sua infância.

Outra técnica experimental no Brasil, que , que também acena como perspectiva para pessoas em estado grave, que não respondem a outros tratamentos, é a estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês). Nesse caso, os médicos colocam cirurgicamente dois eletrodos no cérebro. Os dispositivos, ligados a uma bateria presa ao tronco do paciente, enviam impulsos elétricos constantes. A proposta é que a estimulação promova a liberação de neurotransmissores, causando a diminuição dos sintomas.


Outra técnica experimental no Brasil, que , que também acena como perspectiva para pessoas em estado grave, que não respondem a outros tratamentos, é a estimulação cerebral profunda (DBS, na sigla em inglês). Nesse caso, os médicos colocam cirurgicamente dois eletrodos no cérebro. Os dispositivos, ligados a uma bateria presa ao tronco do paciente, enviam impulsos elétricos constantes. A proposta é que a estimulação promova a liberação de neurotransmissores, causando a diminuição dos sintomas.

* Fonte original: por Glaucia Leal, jornalista, psicóloga, psicanalista, editora de Mente e Cérebro / Mente e Cérebro - Edição 248.

Extraído do sítio Ler Saúde

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