2 de outubro de 2013

BELEZA E TRISTEZA: O QUE PENSAVAM DO OUTONO OS GRANDES ESCRITORES RUSSOS - Ajay Kamalakaran

Com sua miríade de folhas coloridas contra o vento fresco e o céu claro, o outono é definitivamente a estação mais bonita na Rússia; no entanto ele sempre evocou sentimentos diversos entre os grandes escritores do país.

O outono causou um impacto especial em grandes escritores da literatura russa e a leitura de pequenas preciosidades sobre a estação Foto: Lori / Legion Media

Amarelo e dourado são as cores predominantes das folhagens no outono russo, como retratado por Isaak Levitan em óleo sobre tela em sua obra-prima “Outono Dourado”. Os artistas se sentem particularmente inspirados pelas cores da estação, mas o outono, com suas colheitas, clima imprevisível e tradições tais como apanhar cogumelos e mirtilos, tende a evocar emoções variadas entre os grandes escritores do país.

Para alguns dos maiores escritores russos o outono era uma época sombria, muitas vezes comparada ao outono da vida. Para Fiódor Dostoiévski, a estação evocava memórias nostálgicas da infância ao mesmo tempo em que trazia um grau de angústia com a realidade contemporânea, uma vez que a vida estava realmente passando. Ele expressou esses sentimentos, como na maioria de seus livros, através de seus protagonistas.

No primeiro romance de Dostoiévski, ”Gente pobre” (que foi escrito sob a forma de cartas trocadas entre dois personagens), Varvara Dobrossiolova escreve: “Como eu costumava amar o campo no outono! Ainda criança, eu era um ser sensível que amava as tardes de outono mais do que suas manhãs. Lembro-me como ao lado de nossa casa, aos pés de uma colina, havia uma grande lagoa e como a lagoa –posso vê-la agora mesmo!– brilhava na superfície ampla, que era clara como cristal”. Em sua carta a Makar Dévuchkin, a protagonista de Dostoiévski continua a descrever vividamente a estação no campo e a “época dourada” que foi sua infância.

Dobrossiolova continua: “Levada por essas memórias, eu poderia chorar como uma criança. Tudo, tudo volta de forma tão clara em minha memória! O passado permanece tão vividamente diante de mim! Mas no presente tudo parece escuro e sombrio! Como isso tudo acabará? Como? Sabe, eu tenho uma sensação, algo como um forte pressentimento de que vou morrer no próximo outono, por isso me sinto terrivelmente (...)” Em seus livros posteriores, Dostoiévski continuaria a produzir metáforas com a estação. "O mundo das fantasias desaparecerá, sonhos vão esmorecer e morrer e cairão das árvores como as folhas de outono", escreveu em “Noites Brancas”.

“Assim como um pintor precisa de luz para dar os últimos retoques à sua obra, eu preciso de uma luz interior, a qual nunca sinto ter o bastante no outono.” Muitos atribuíram essa citação de Lev Tolstói ao bloqueio que o escritor costumava sentir nessa estação. No entanto, o grande romancista estava em seu auge poético quando descreveu o outono em “Guerra e Paz”. Sua narrativa sobre as condições do tempo durante o período entre a Batalha de Borodino e a entrada dos franceses em Moscou encanta os leitores: “(...) durante toda aquela agitação, semana memorável, o clima era o do extraordinário outono que sempre traz uma surpresa, quando o sol repousa e aquece mais do que na primavera, quando tudo clareia e brilha na raramente limpa atmosfera que aviva o olhar, quando os pulmões são fortalecidos e revigorados pela inalação do ar perfumado do outono, quando até mesmo as noites são quentes e, quando nessas noites quentes e escuras, estrelas douradas nos surpreendem e nos deliciam caindo continuamente do céu”.

Em “Reminiscências de Anton Tchékhov”, Maksím Górki comparou a obra de Tchékhov com o final do outono. "Ler as histórias de Anton Tchékhov dá a sensação de se estar em um dia melancólico de final do outono, quando o ar é transparente e o contorno das árvores nuas, casas estreitas e pessoas acinzentadas é nítido", escreveu Górki. Sem dúvida, Górki, que foi um grande crítico de Tchékhov, não gostava do outono. “Tudo é estranho, solitário, imóvel, indefeso. O horizonte, azul e branco, derrete-se no céu pálido e sua respiração é terrivelmente fria sobre a terra, que fica coberta com lama congelada. A mente do autor, assim como o sol do outono, surge em monótonos caminhos de traços rígidos, as ruas tortuosas, as casinhas miseráveis nas quais pessoas diminutas e pobres ​​são sufocadas pelo tédio e pela preguiça e enchem as casas com uma ininteligível agitação sonolenta".

Se houve uma lenda da literatura russa que amou o outono com enorme paixão, essa pessoa foi Aleksandr Púchkin, cujas palavras soam vindas do coração desse escritor:

“As pessoas têm palavras duras para esses dias de outono,

mas, leitor, eles me são caros, eu amo

sua luz despretensiosa, sua beleza calma.

O outono me atrai como uma menina negligenciada

entre suas irmãs. E, para ser bem sincero,

ela é a única que aquece meu coração.

“Ela tem seus dotes; caprichosamente sonhadora

e livre de vaidade, a mim seus encantos são atraentes.”

O outono causou um impacto especial em grandes escritores da literatura russa e a leitura de pequenas preciosidades sobre a estação, que algumas vezes estão escondidas nos recônditos de grandes romances, é apenas mais uma forma de tentar descobrir as profundezas da alma russa. Independentemente de quais emoções a estação realmente evocava nas almas dos lendários escritores, as cores, cheiros, imagens e sons do outono realmente trouxeram as melhores descrições e criatividade que havia neles.

Extraído do sítio Gazeta Russa

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