30 de setembro de 2012

UM HERÓI PORTUGUÊS QUE MORREU NA POBREZA - Vyacheslav Ossipov

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O diplomata português Aristides de Sousa Mendes é menos conhecido no mundo do que o alemão Oscar Schindler, que tinha salvo 1100 judeus, quando estes fugiam das perseguições dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Foi Steven Spielberg quem imortalizou a façanha deste alemão no seu filme Lista Schindler, agraciado com o prêmio Oscar. Todavia a atividade do diplomata português na esfera de salvação das famílias judaicas no território ocupado da França teve envergadura muito maior, pois com a sua ajuda foram salvas 34 mil pessoas. Mais de dez mil judeus, que constam nesta lista, tinham fugido não somente da Alemanha Nazista mas também da Dinamarca, Noruega, Polônia, Bélgica, Luxemburgo e França. “O mundo deve saber disso”, declaram os criadores do filme O Cônsul de Bordeus.

A estreia do filme hispano-português O Cônsul de Bordeus será realizada em Portugal a 8 de novembro. Mas ele já foi exibido durante a Semana do Cinema Português em Israel e nas missões diplomáticas de alguns países europeus. O diplomata português é chamado “Schindler português”. João Correa, um dos realizadores do filme, diz: “É preciso corrigir o esquecimento histórico. É preciso curar graças à memória dos que sobreviveram as feridas do passado e restabelecer o prestígio e bom nome de Sousa Mendosa, pisoteado pelo regime português de Salazar." Enquanto Oscar Schindler escondia na sua fábrica 1100 judeus, salvando-os das perseguições dos nazistas, Sousa Mendes assumiu a responsabilidade concedendo 34 mil vistos aos que fugiram da ocupação fascista na França e em outros países europeus. Os sobreviventes não podiam ver o futuro sem pensar no seu passado, disse o realizador João Correa ao preparar o filme sobre o diplomata português.

Uma grande parte dos judeus, a que Sousa Mendes tinha concedido os vistos, foi para os EUA e dali mudaram-se para Israel. Em 1966 Mendes foi agraciado, aliás, a título póstumo, com o título de Justo entre as Nações. Foi um sinal de gratidão pela sua atividade. Mas o final da história heroica de Sousa Mendes não foi feliz. O diplomata foi privado do seu status e da pensão de aposentadoria. Viveu os últimos 14 anos da sua vida na miséria total e faleceu no hospital do mosteiro franciscano, bem no coração de Portugal. A sua esposa e filhos emigraram para os EUA... Foi este o preço que Mendes tinha pago pela desobediência ao regime de Salazar, explicou João Correa na sua entrevista à agência Efe. Acrescentou que em Portugal de hoje existem pessoas que põem em dúvida a atividade de Mendes na qualidade de cônsul.

O embaixador João Hall Themido escreveu nas suas memórias sobre meio século da diplomacia portuguesa. No livro, o diplomata recorda que Kissinger considerava Mário Soares "um tonto". Um dos capítulos do livro, porventura o mais polémico, chama-se A mitificação de Aristides de Sousa Mendes. O embaixador acusa o cônsul de "atuação irregular". "De forma totalmente irrealista, fala-se em 30 mil" o número de vistos "concedidos em apenas alguns poucos dias pelo cônsul e seus familiares, de forma cega, no consulado e até nos cafés da vizinhança". Themido sublinha "a necessidade de manter disciplina nos serviços que de forma directa ou indirecta pudessem, com a sua actuação, afectar o estatuto de neutralidade" do país. Para o embaixador, Aristides foi um "mito criado por judeus e pelas forças democráticas saídas do 25 de Abril". E mais à frente: "quando a família" do cônsul, "grupos judaicos e forças da esquerda ressuscitaram o assunto, procurei saber mais sobre o ocorrido". Observa que Aristides apenas "pertencia à carreira consular, considerada carreira menor em relação à carreira diplomática".

“Este diplomata e humanista violou todas as prescrições tendo concedido durante 15 dias 34 mil vistos aos judeus e oposicionistas ao regime nazista. Mas o filme O Cônsul de Bordeus não é apenas uma recordação da década de quarenta mas também um apelo ao dia de hoje”, ressalta o realizador João Correa.

É preciso levar em consideração que o diplomata português concedia vistos violando a chamada “Circular 14”, promulgada pelo regime de Salazar, que proibia aos diplomatas portugueses dar vistos a pessoas que fugiam das perseguições das autoridades do Terceiro Reich. Aristides salvou do fuzilamento e eliminação mais de 30 mil cidadãos, mais de dez mil deles eram de nacionalidade judaica. O regime de Salazar não perdoou ao diplomata esta desobediência. Em fins da década de 40 Mendes foi retirado da França para Lisboa. Aí ele foi reconhecido demente e destituído do status diplomático e da pensão de aposentadoria. Alguns dos seus filhos declararam que não o reconheciam o seu pai. Seguiram-se 14 anos de degredo e de esquecimento. Aristides de Sousa Mendes faleceu em 1954 na miséria total, no mosteiro dos franciscanos. O jornal portuguêsExpresso escreveu em princípios deste ano: "Tendo em conta a estatura homérica destes atos, não se compreende o relativo desprezo da cultura portuguesa por Aristides. Não há uma grande biografia. Não há um romance. Não há uma série de TV. Não há um filme. Temos um Schindler e não lhe damos valor. É como se a expressão "herói português" fosse, em si mesma, uma contradição em termos. É como se a expressão "herói português" fosse um incómodo para a nossa visão cínica de Portugal."

O ator Bernard Lecoq, que viveu o papel do "cônsul de Bordeus” afirma que Aristides foi um autêntico herói que tinha sacrificado a própria vida a fim de salvar outras pessoas. “É uma grande honra – encarnar a imagem que deixou um vestígio profundo na história”. Otto von Gabsburg, um dos descendentes do clã Habsurg, cujo pai também foi salvo por Mendes na década de 40, compartilha esta opinião. “Durante a guerra muitas pessoas davam provas de covardia enquanto que Mendes foi um verdadeiro herói do Ocidente”.

A estreia para o público do filme O Cônsul de Bordeus está prevista em Portugal para 8 de novembro. O filme será exibido também na Espanha, França e no Brasil.

Extraído do sítio Voz da Rússia

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