14 de junho de 2012

JOHN REED, O VERMELHO - Arlindenor Pedro

O século XX foi o século da tentativa de materialização das grandes utopias modernas, confrontando opiniões e levando, inclusive, a duas grandes guerras de caráter mundial.

Logo nas suas primeiras décadas, a revolução bolchevique de 1917 passou a embalar o sonho da maioria dos marxistas, que tiveram a chance de acompanhar a implantação da primeira experiência mais sólida de um Estado Socialista – pelo menos de acordo com os conceitos leninistas. Também, a Itália viveu a sua utopia, a de um estado fascista, influenciando com isto a experiência nazista da Alemanha de Hitler e de falanges em todo o mundo.

Na América do Norte a burguesia liberal aprofundou a sociedade de mercado, levando-a a um plano inimaginável, com novos produtos, novas organizações para o trabalho (divulgado por Hollywood, o modo de vida americano passou a ser invejado por muitos). Na China, numa grande guerra civil, chocaram-se as forças e as ideias de Mao e do Kuumitang, e, mesmo os japoneses, não ficaram imunes a esse movimento global, e tentaram aprofundar o seu grande sonho: o de um grande Japão, estendendo-se por toda a Ásia.

No intervalo das duas grandes guerras viveu-se um período de grandes efervescências que se materializou através de uma arte revolucionaria e de militantes inquietos e sonhadores. Revoluções explodiam em todo planeta, e aqui no Brasil, as ideias tenentistas e da semana de 22 asfaltavam as estradas que levariam à revolução de 30.

John Reed foi um desses revolucionários que procurou viver plenamente esse clima do século XX; daqueles que tinha como projeto de vida a realização de suas utopias.

Trata-se de um tipo de personagem heroico, que poderíamos encontrar nos romances de Érico Verissimo (como o personagem Vasco, por exemplo ), que são capazes de abandonar tudo e participar de uma guerra civil em um país distante, como a Guerra Civil da Espanha, para defender seus ideais.

Americano de Portland, filho de uma família de posses, formou-se em Harvard, um centro do pensamento conservador americano, mas, para a loucura de seus mestres, não seguiu o caminho tradicional dos filhos da burguesia. Reed viveu a sua curta e intensa vida no bairro boêmio de Village, em New York, nas primeiras décadas do século XX, rodeado de intelectuais, artistas e revolucionários, destacando-se como um dos mais brilhantes jornalistas do inicio daquele século.

Um jornalista que colocou como objetivo de vida engajar-se nos movimentos sociais, dando voz aos oprimidos pelo capital .

Amigo de Emma Goldman, importante ativista anarquista daqueles tempos, e de líderes sindicais do movimento socialista americano, sempre se colocou ao lado dos mais fracos, colocando o seu talento literário à serviço das causas operárias, fazendo a cobertura jornalística das greves e dos confrontos com os patrões.

Jornalista, por escolha, e defensor de ideias libertárias foi capaz de ver na Revolução Mexicana de 1912 um grande acontecimento popular, cobrindo-a com o risco da própria vida, chegando, inclusive, a fazer uma histórica entrevista com Pancho Villa, um dos líderes da revolução camponesa, de quem se tornou amigo.

Por suas ideias e atitudes contestatórias, John Reed foi perseguido e discriminado na grande imprensa americana, e, por isso, torna-se de grande valor o filme produzido em Hollywood, de 1981, que tenta retratar alguns momentos de sua vida. Uma obra, reproduzida em DVD, com fácil acesso nas locadoras.

Talvez, pelo caráter romântico e aventureiro que ela teve e pelo grande romance que viveu com feminista Louise Bryant, sua companheira até a data do seu falecimento, essa produção centra-se mais no romance das suas vidas em comum, colocando em segundo plano a sua extensa e intensa obra de militante de esquerda, no país mais importante do capitalismo.

Mas, a produção, dirigida por Warren Beatty, que faz também o papel de Jonh Reed, tendo a participação de Diane Hall (também Diane Keaton), no papel de Louise Bryant, Jack Nicholson interpretando Eugene O’Neill e Edward Herrmann, como Max Eastman, ao trazer à tona esta época, dos primórdios da modernização capitalista, o faz com intenso realismo, mostrando uma face das utopias do movimento operário que se perdeu na sociedade de consumo contemporânea e que merece a nossa reflexão, que vai além do filme em questão.

Além de outras importantes obras, John Reed escreveu um dos mais empolgantes livros sobre a Revolução Soviética: “Os 10 Dias Que Abalaram o Mundo”, uma obra prima, que descreve com um intenso realismo o evento social mais espetacular do ultimo século – a grande revolução capitaneada pelos bolcheviques e pelo seu líder, Lênin.

Em um momento que estava acompanhando a guerra na Europa, fazendo artigos para a imprensa americana, ao saber da deposição do Tzar Nicollau, decidiu que iria cobrir aquele confuso movimento político, pois, anteviu a grande importância histórica que ele representava: a revolução bolchevique teve, então, um espectador estrangeiro à sua altura, pois, Reed não se contentou em fazer uma cobertura superficial e midiática. Tomando um lado da história, foi capaz de traduzir fielmente aqueles intrincados acontecimentos, que iriam ter uma importância sem precedentes na história moderna da humanidade.

Em certa parte do livro, Reed, ao se referir aos eventos revolucionários que assistiu, nos fala com propriedade: “há dias que valem por cem anos”, nos dizendo que a história não se movimenta de maneira continua e linear. Existem alguns momentos em que são tomadas atitudes que alteram o curso dos acontecimentos de tal forma que, na sua intensidade, nos projetam para um futuro que antes nos parecia impossível.

De um momento para o outro, forças sociais poderosas tinham se posto em movimento na velha Rússia tzarista, chocando-se com uma realidade até então considerada imutável, colocando abaixo o velho regime e trazendo à tona personagens que estavam no mais baixo limiar da sociedade, os mais excluídos, os considerados como a escória, a corja social.

Traziam com eles a utopia de uma nova forma de viver e de se relacionar, sem a interferência do capital e da exploração do homem pelo homem. E, Reed percebeu que, naquela hora, Lênin e seus companheiros bolcheviques, eram a força política que mais se identificava com esses anseios.

Em certo momento, quando assistia o evento histórico do II Congresso Pam Russo dos Sovietes dos Deputados Operários e Soldados, às vésperas da invasão do Palácio de Inverno, e início da deposição de Kerenchi, Reed atenta para a exclamação feita por uma das recepcionistas do Congresso, mostrando-nos que em poucos meses mudara a correlação das forças políticas na Rússia e os bolcheviques, antes minoria, passavam a comandar o processo revolucionário:

” A moça encarregada do serviço, membro do grupo de Plekhânov, sorria desdenhosamente .
- Não se parecem nada com os delegados do primeiro congresso (ela se referia ao Congresso de meses atrás, onde os mencheviques e cadetes tinham a maioria) – disse-me ela:- Vejam que fisionomias abrutalhadas e que expressões de ignorância! Que gente inculta !
E não se enganava. A Rússia havia sido sacudida até as entranhas. Os que se achavam nas maiores profundidades é que estavam vindo à superfície “.

A acuidade política de Reed, adquirida nas lutas operárias de que participou nos Estados Unidos, permitiu a ele perceber para onde se inclinava a maré revolucionária e entender a postura intransigente e determinada dos bolcheviques, que confiando nos desejos da classe trabalhadora, foram capazes de derrubar o governo provisório de Kerenchi e avançar, sem perder o rumo, para uma nova etapa da Revolução Russa: a implantação de um governo soviético, dirigido pelo partido que tinha Lênin como líder.

Assim se refere Reed as características desse líder singular, quando o viu chegar ao Congresso dos Sovietes: ”Uma silhueta baixa. Cabeça redonda e calva, mergulhada entre os ombros. Olhos pequenos, nariz rombudo, boca larga e generosa. Mandíbula pesada. Estava completamente barbeado. Mas a sua barba, dantes tão conhecida e que daquele momento em diante iria ser eterna, já começava a despontar novamente. O casaco estava poído; as calças eram compridas demais. Sua aparência física não indicava que ele poderia ser um ídolo das multidões. Mas foi querido e venerado como poucos chefes em roda a história. Um estranho chefe popular. Chefe só pelo poder do espírito. Sem brilho, sem ditos chistosos, intransigente e sempre em destaque, sem a menor particularidade interessante, mas possuindo, em alto grau, a capacidade de explicar ideias profundas em termos simples e de analisar concretamente as situações. Senhor de prodigiosa audácia intelectual, assim era Lênin. “

Lênin, sem dúvidas, se situa no mais alto patamar histórico pela sua genialidade na compreensão da sociedade russa e das características da mundo em que viveu, traçando uma estratégia admirável para a tomada do poder politico.

Seus livros foram todos escritos no fragor da luta política e cada um deles se insere numa realidade peculiar da conjuntura da Russia pré revolucionária e revolucionária. Não são devaneios intelectuais, pois estão presos, no geral, ao desejo de uma prática imediata. Sua obstinação e rigidez teórica o fez transformar um pequeno partido, nascido da cisão da social democracia russa, na vanguarda revolucionária de um evento social que movimentou milhões de pessoas.

Reed teve a sorte de estar ali, naquele momento, podendo conviver com uma figura tão importante. Pode, também, ouvir os discursos dos mais destacados líderes dos diversos partidos, que fizeram parte daqueles dias que mudaram a história do mundo. Entrevistou pessoas das mais diversas correntes, tanto da esquerda como da direita. Sentiu a profundidade da esperança que moveu milhões de pessoas na busca da construção de um outro tipo de sociedade, sem a exploração do homem pelo homem. E, cumpriu o seu papel: seu livro, fruto da sua participação naqueles eventos, tornou-se no maior documento sobre a Revolução Russa.

Seu valor literário é indiscutível e mais de dezenove edições foram feitas em todo o mundo. Lênin e Krúpscaia fizeram, inclusive, questão de prefaciar sua primeira edição em solo russo. Também, em nome do Partido Comunista, em 1957, foi feito um posfácio a uma edição russa, onde claramente vemos que o seu propósito é afirmar conceitos sobre a luta que se sucedeu após a morte de Lênin, onde Stalin fez o expurgo de lideres bolcheviques que Reed cita no seu livro, tais como Trostski, Zinoviev e Kamenev, demonstrando a importância da obra desse jornalista americano. O posfácio faz menção ao pensamento de Trotsky de revolução permanente, de que ela deveria avançar para a Europa (ele propunha a formação de uma Federação Soviética Europeia) e do seu oposto, o da construção do socialismo em um só país (o que acabou prevalecendo, sob a ótica de Stalin).

Após retornar a Rússia, depois de passar um período nos E. Unidos, Reed faleceu, recebendo então honras de estado, como um herói do povo soviético, sendo enterrado na Praça Vermelha, ao lado do túmulo de Lênin. Uma justa homenagem pelo amor que ele tinha a Revolução Russa.

Hoje, a utopia de John Reed, o Estado Soviético, não existe mais - foi vencida pela utopia da sociedade do livre mercado: aquilo que Guy Debod chamou de “Espetáculo Integrado”.

Não conseguiram os bolcheviques construir a sociedade almejada pela utopia socialista.

Golpeados pelo fetiche da mercadoria, transformaram-se em administradores de um capialismo de estado. Fora incapazes de perceber que os sujeitos sociais que são construídos pelo mesmo desenvolvimento capitalista, como a “classe burguesa” ou a “classe proletária”, não podem ser os agentes da emancipação, pois não deixam de ser sujeitos capitalistas. Não são formas que existem para além da formação capitalista, como se ela exercesse um domínio exterior; não são formas as quais se podem mobilizar contra um capitalismo que somente ocuparia uma parte da sociedade.

Não procuraram, então, avançar para além da sociedade da mercadoria, sem o trabalho abstrato e do valor, abolindo esta cruel intermediação que impede o homem de atingir a sua plenitude como ser integrado no universo. Entraram numa competição com seus concorrentes ocidentais de que modelo social que administravam poderia fazer o melhor bem de consumo, ou mesmo, as melhores armas de destruição em massa, agredindo de forma sem precedentes o meio ambiente.

Através de um estado capturado pela burocracia comandaram, com a estrutura da terceira internacional, um processo de lutas operárias em todo o mundo, que só serviu para avalizar o capitalismo, dando a ele uma face social, adquirida nas negociações com os sindicatos. Num mundo com diversos matizes de capitalismos socializantes, a classe operária vai, então, ao paraíso, onde todos os seres humanos, no mundo globalizado são meros consumidores, transformando-se em reféns das crises ciclicas do capitalismo, que acabou pondo por terra o Estado da revolução de outubro, por ser anacrônico na ordem capitalista.

A forma inquieta e revolucionária de John Reed expressa no seu íntimo o sentido de liberdade que todos os seres humanos possuem e que não morreu com o desenvolvimento do Estado Soviético. Ele esteve e estará presente no espírito das barricadas da revolução de outubro, como esteve na Comuna de Paris, ou em tantos eventos em que o povo foi às ruas lutar por suas utopias.

* Arlindenor Pedro é professor de história, funcionário público e especialista em Projetos Educacionais. Anistiado por sua oposição ao Regime Militar, atualmente dedica-se à produção de flores tropicais na Região das Agulhas Negras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.