28 de maio de 2012

MORTE DE LINDÓIA - Basílio da Gama


Um frio susto corre pelas veias 
De Caitutu que deixa os seus no campo; 
E a irmã por entre as sombras do arvoredo 
Busca com a vista, e treme de encontrá-la. 
Entram enfim na mais remota, e interna 
Parte de antigo bosque, escuro e negro, 
Onde, ao pé duma lapa cavernosa, 
Cobre uma rouca fonte, que murmura, 
Curva latada e jasmins e rosas. 
Este lugar delicioso e triste, 
Cansada de viver, tinha escolhido 
Para morrer a mísera Lindóia. 
Lá reclinada, como que dormia, 
Na branda relva e nas mimosas flores, 
Tinha a face na mão e a mão no tronco 
Dum fúnebre cipreste, que espalhava 
Melancólica sombra. Mais de perto 
Descobrem que se enrola no seu corpo 
Verde serpente, e lhe passeia e cinge 
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio. 
Fogem de a ver assim sobressaltados 
E param cheios de temor ao longe; 
E nem se atrevem a chamá-la e temem 
Que desperte assustada e irrite o monstro, 
E fuja, e apresse no fugir a morte. 
Porém o destro Caitutu, que treme 
Do perigo da irmã, sem mais demora 
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes 
Soltar o tiro, e vacilou três vezes 
Entre a ira e o temor. Enfim sacode 
O arco e faz voar a aguda seta, 
Que toca o peito de Lindóia e fere 
A serpente na testa, e a boca e os dentes 
Deixou cravados no vizinho tronco. 
Açoita o campo com a ligeira cauda 
O irado monstro, e em tortuosos giros 
Se enrosca no cipreste, e verte envolto 
Em negro sangue o lívido veneno. 
Leva nos braços a infeliz Lindóia 
O desgraçado irmão, que ao despertá-la 
Conhece, com que dor! no frio rosto 
Os sinais do veneno, e vê ferido 
Pelo dente sutil o brando peito. 
Os olhos, em que Amor reinava, um dia, 
Cheios de morte; e muda aquela língua, 
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes 
Contou a larga história de seus males. 
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, 
E rompe em profundíssimos suspiros, 
Lendo na testa da fronteira gruta 
De sua mão já trêmula gravado 
O alheio crime, e a voluntária morte. 
E por todas as partes repetido 
O suspirado nome de Cacambo. 
Inda conserva o pálido semblante 
Um não sei quê de magoado, e triste, 
Que os corações mais duros enternece. 
Tanto era bela no seu rosto a morte! 

Extraído do sítio Portal São Francisco

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