9 de janeiro de 2012

PALACINHO PODERÁ ABRIGAR ACERVO DE NEGATIVOS DE CALEGARI - Nubia Silveira e Flavia Boni Licht

Palacinho era chamado de Palacete pela família de seu proprietário, Santo Meneghetti l Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Santo Meneghetti, o homem que mandou construir o prédio onde hoje está instalado o gabinete da primeira-dama, Sandra Genro, deixou a sua Itália sem um tostão no bolso e sem saber ler. Como tantos outros imigrantes, chegou ao Brasil depois de enfrentar o Atlântico, como mais um passageiro pobre, em busca de novas oportunidades. No Rio Grande do Sul, conheceu a mulher Elvira, também italiana, que vivia em Veranópolis. Casou, teve cinco filhos e fez fortuna. A neta Marlise Meneghetti, que nasceu no prédio projetado por outro italiano, Armando Boni, conta que a primeira atividade de Santo, no Novo Mundo, foi a de tropeiro. Depois, comprou um armazém que Elvira administrava. Ao contrário do marido, ela tinha recebido uma fina educação na Itália. A fortuna, afinal, veio com os negócios de madeira. Santo tornou-se um grande madeireiro. Com ele, trabalhava um dos filhos, Reinaldo, pai de Marlise.

Armando Boni foi o responsável pelo projeto e construção da casa de Meneghetti l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Pela suntuosidade do prédio, a família Meneghetti o chamava de Palacete. Hoje, é conhecido como Palacinho. Desde 1971 abrigava o gabinete do vice-governador; alguns deles até moraram ali. A atual ocupante do prédio de 500 metros quadrados, na esquina das ruas Cristóvão Colombo e Santo Antônio, em Porto Alegre, quer transformar o local num Centro Cultural, dedicado especialmente à fotografia, com salas para concertos, palestras e outras atividades culturais. Ao mesmo tempo em que está sendo elaborado o projeto para captação de recursos pela Lei Rouanet, destinados ao restauro e adaptação do prédio a um Centro Cultural, a primeira-dama Sandra Genro negocia a compra do acervo de 1.500 negativos em vidro do fotógrafo italiano Virgílio Calegari, que retratou a vida urbana em Porto Alegre, no final do século XIX, início do XX. Virgílio montou seu primeiro estúdio em 1893, na Rua do Arroio, hoje Bento Martins. Depois, transferiu-se para a Rua da Praia. Trabalhou como autônomo até 1937, quando faleceu.

Virgílio Calegari retratou a vida de Porto Alegre no final do século XIX l Foto: reprodução
As fotos de Calegari foram premiadas com medalha de ouro, na Exposição Comercial e Industrial, realizada em Porto Alegre, em 1901, e com medalha de prata na Saint Louis Purchase Exposition, nos Estados Unidos, em 1904. Também foi medalha de ouro em Paris, na Exposição Colonial e Sul-Americana, e em Milão, na Exposição Internacional. Em 1907, foi premiado em Londres e em Madri. Três anos depois, o rei da Itália Vitor Emanuel III condecorou-o como Cavaliero della Corona d’Italia.
Sandra Genro diz que recebeu outras ofertas para compra de acervos fotográficos. Mas, afirma, é preciso ir devagar, porque o custo é muito alto.

Clube de Regatas em Porto Alegre l Foto: Virgílio Calegari
Doca das Frutas no Centro de Porto Alegre l Foto: Virgílio Calegari
Theatro São Pedro no início do século XX l Foto: Virgílio Calegari
Rua Voluntários da Pátria l Foto: Virgílio Calegari
Centro de Porto Alegre retratado por Virgílio Calegari no final do século XIX, início do XX
O sonho de Sandra é que o futuro Centro armazene a memória do Rio Grande do Sul.

– O Memorial do Rio Grande do Sul já não faz isso?

– O Memorial contém muito papel. Aqui, não teremos papéis, mas fotos, diz ela.


Um espaço para ter os filhos sempre juntos

O ecletismo marca mais esta obra de Boni, destinada exclusivamente a abrigar a família Meneghetti l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Santo Meneghetti encomendou a construção da casa ao engenheiro Armando Boni – “acho que eles eram amigos”, diz a neta – por uma única razão, alerta Marlise: ter os filhos Alfredo, Orlando, Reinaldo, Gumercindo e Iracema sempre morando junto com ele, mesmo depois de constituírem família. Apenas Reinaldo e Iracema viveram por lá alguns anos, após casarem. Como Marlise, a prima Maria Aparecida Orsini, filha de Iracema, nasceu no Palacete, onde Marlise viveu até os nove anos. Marlise se indigna quando dizem que o avô construiu a casa para receber um representante de Mussolini. “Foi para a família. Ele odiava o Mussolini”.

“O que marcou da minha infância no Palacete foi o meu avô me mostrando os quadros que trazia das viagens que fazia”, afirma a neta. Ela lembra que Santo viajava sozinho. “Ele aproveitou a vida”, diz. Partia em abril e retornava em outubro, sempre trazendo muitas pinturas. “Ele forrava as paredes de quadros”. Recorda ainda que próximo à casa, construída em 1926, o avô mantinha, na rua Santo Antônio, uma fábrica de madeira. Mais tarde, quando os negócios cresceram, ele levou a fábrica para o Desvio Meneghetti, “uma cidadezinha que construiu próximo a Passo Fundo”. O pai de Marlise, o único que trabalhava com Santo, foi encarregado de tocar o negócio no Desvio Meneghetti. “Passei um ano lá e me lembro bem daquele lugar”.

Palacinho será transformado em Centro Cultural e aberto ao público l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Em 1954, já morando sozinhos no Palacete, Santo e Elvira resolveram vender o prédio para o governo do Estado. O empresário mandou construir uma nova casa, também enorme, segundo Marlise, nas proximidades da Rua Barros Cassal. Ali viveu até falecer.

Beleza externa e interna

Sandra Genro se diz boquiaberta “com a construção de grande beleza interna e externa”. Ela defende que o prédio, tombado como patrimônio histórico, em 1996, pelo IPHAE, seja aberto à população. Acredita que o Centro Cultural estará funcionando até o final do atual governo.

A beleza externa e interna do prédio encanta a primeira-dama, Sandra Genro l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
A primeira-dama gaúcha se encanta com os vitrais existentes na casa, que filtram a luz externa. “O ambiente é muito agradável. Tem alguns detalhes que lembram os palácios italianos. É uma honra trabalhar aqui. E estamos na expectativa de para onde iremos, quando as obras começarem”, revela Sandra. Ela ressalta que o prédio não apresenta qualquer dano estrutural importante e que o principal item das obras será a acessibilidade. “Vamos colocar elevador, para levar até o terraço, que tem vista para o Guaíba e abrigará uma cafeteria. A CEEE já esteve aqui fazendo um estudo da rede elétrica”, afirma.

A restauração será feita em parceria com a Associação dos Amigos do Palacinho, criada pelo ex-vice-governador Antônio Hohlfeldt, e reativada por Sandra. A Associação, atualmente presidida pela escritora Valesca de Assis, foi responsável pelo restauro parcial ocorrido na época de Hohlfeldt, que resgatou o aspecto original do prédio. Foram restaurados a fachada, os afrescos, os murais, as claraboias, os vitrais, os relevos, os mármores e os granitos. Nas salas restauradas na parte fronteira do térreo estão sendo realizados pelo menos dois eventos culturais por mês.

Prédio teve concluída a primeira fase do restauro. Em 2013 deve ter início a segunda l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Obra com linguagem eclética

O arquiteto William P. Xavier, responsável pelo projeto de restauro, pelo qual o Palacinho deverá passar em 2013, após a aprovação do projeto pela Lei Rouanet e a captação de recursos, diz que o prédio apresenta uma linguagem eclética. Segundo ele, há ambientes com adornos de influência art déco e a fachada apresenta “elementos de simetria e estrutura neoclássicas”.

William afirma que “os aspectos estéticos arquitetônicos foram resgatados na primeira fase do projeto”. Portanto, agora, deverão ser retomadas “as configurações funcionais originais, tecnicamente possíveis, dentro dos predispostos das orientações aplicáveis ditadas pelas normas nacionais e internacionais da área do restauro”. Para o térreo e o segundo andar estão previstas “algumas remoções de intervenções contemporâneas que acrescem e/ou modificam espaços e usos”. Na cobertura – atual espaço de confraternização social — “serão modernizadas as intervenções realizadas”. Já no subsolo, que foi dividido em dois pavimentos, “serão realocados os apoios estruturais (pilares) da laje formadora do novo nível”.

A Associação dos Amigos do Palacinho será responsável pelas obras de restauração l Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Serão também saneadas as infiltrações; renovadas as instalações de energia, comunicações e instalações de prevenção e combate a incêndios; recuperadas as esquadrias internas, os forros, os murais, os revestimentos cerâmicos de parede, os revestimentos em argamassa das alvenarias envoltórias, a estrutura da cobertura de proteção do vitral principal que orna o teto do pátio coberto, as colunas ornadas, a sanca ornada de contorno do vitral principal, as lareiras, os apainelados decorativos de parede e os pisos. O restauro está orçado em R$ 2,6 milhões.

Extraído do sítio do Sul21

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