23 de novembro de 2011

LUIS FERNANDO VERÍSSIMO PENSA EM PARAR DE ESCREVER

Aos 75 anos, o escritor diminui o ritmo e diz que está mais para depressivo do que para bem-humorado.

(Ana Rita Martins - Jornal da Tarde)

O escritor Luis Fernando Verissimo é famoso por seus textos de humor e pelas sátiras de costumes que publica em jornais de grande circulação. Comédias da Vida Privada, uma antologia de crônicas engraçadíssimas, publicada em 1994, por exemplo, virou até uma série da TV Globo em 1995. Por causa desse talento em fazer rir, fica difícil acreditar quando o próprio autor afirma que não tem vocação humorística. "O que eu tenho é a técnica para escrever textos divertidos", diz ele. "Mas meu jeito de ver as coisas está mais para depressivo", completa.

O escritor gaúcho Luis Fernando verissimo em sua casa, em Porto Alegre
Foto: Neco Varella/AE
De fato, esse lado depressivo do escritor não aparece em suas obras (são, ao todo, 500 mil exemplares vendidos no País). Seu último livro, Em Algum Lugar do Paraíso, é composto por 41 crônicas, a maioria delas publicada nos últimos cinco anos, no jornal O Estado de S. Paulo. Verissimo, aliás, vem diminuindo o ritmo de sua produção. Reduziu, já há alguns anos, o número de jornais para os quais escreve - se antes, chegou a publicar em dez periódicos, hoje concentra-se em três: O Globo, Estado e Zero Hora. E pensa, inclusive, em se aposentar. "Penso em parar de escrever. O problema é que o dinheiro que ganho com os direitos autorais dos livros não é o suficiente para garantir minhas contas."

Os leitores, aliás, já podem notar sua ausência em eventos literários. "Vou a lançamentos mais por causa da editora. Não é por prazer, pois sou caseiro e evito badalações", conta. De onde vem, então, a inspiração para os textos se ele tem se mantido mais reservado? "Às vezes, de um filme ou de uma música", diz. "Aliás, eu preferiria ser músico a escritor", revela ele. "Mas como eu escrevo melhor do que toco saxofone, vamos deixar as coisas como estão."

Na casa do escritor, em Porto Alegre (RS), num porão de pedra, há vários instrumentos. Curiosamente, apesar da paixão pelo jazz, não há sequer uma crônica em sua nova obra cujo tema seja a música. No livro Em Algum Lugar do Paraíso, o autor repete a fórmula já consagrada em seus trabalhos: a de abordar situações cotidianas. Algo que faz, inclusive, em seus cartuns.

Vem dessa última abordagem um dos textos mais inspirados da obra. Em Cafarnaum fala do encontro entre Guizael, dono de uma taberna, e um homem capaz de multiplicar peixes e pães, e transformar água em vinho. A história - contada em linguagem textual similar à bíblica - desenvolve-se quando Guizael tenta convencer o homem a fazer uma parceria financeira com ele.

Outro destaque é Microfone Escondido, em que o casal Leonor e Ataíde resolve esconder um aparelho desses no elevador do prédio só para descobrir o que os amigos pensam deles. Toda vez que fazem um jantar para um casal de convivas, há uma nova descoberta, revelada pelo microfone antes destes chegarem ao apartamento ou quando estão descendo o elevador rumo à rua. O resultado é um sucessão de confusões e mágoas, temperada pelas construções simples (mas não simplistas) e certeiras do escritor.

Por meio do humor, o autor acaba desvelando as idiossincrasias humanas. Em Pato Donald, Sérgio e Dulce, casados há 25 anos, reveem suas vidas quando o homem conta que, apesar de ter rido a vida inteira das piadas do personagem americano, admite que nunca entendeu patavinas do que ele falava. A confissão ganha, então, ares de crise existencial. E, enquanto discutem, Dulce fica preocupada, porque o zíper do vestido que sempre lhe coube está difícil de fechar.

Outro exemplo interessante de narrativa é Versões. No texto, um homem entra em um bar e começa a imaginar o que teria sido de sua vida se ele tivesse feito um teste para jogar no Botafogo. De repente, surge, ao lado dele, uma versão de si mesmo que fez o tal teste. As perguntas se multiplicam e, consequentemente, mais versões dele aparecem.

Nessa crônica, Verissimo toca num de seus assuntos mais caros: o futebol. Torcedor do Internacional e da Seleção, ele se preocupa com a Copa de 2014 no Brasil. "Espero que as obras fiquem prontas a tempo." E fala que irá aos jogos. Até lá, terá 78 anos, Vale torcer para o pique se estenda também à escrita. Ou a literatura ficará órfã do depressivo mais bem-humorado de que se tem notícia.

Extraído do sítio O Jornal

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