9 de novembro de 2011

DICA: RIBAMAR

Formato: Livro
Editora: BERTRAND BRASIL
1ª ed. - 2010
280 p
Assunto: LITERATURA BRASILEIRA - ROMANCE

Sinopse: Neste livro, o autor busca experimentar um caminho que mistura vários gêneros literários. Assim, procura transitar entre estilos diversos - sem deixar, contudo, que as fronteiras entre eles se tornem nítidas. O objetivo é fazer com que o leitor não saiba onde está pisando - se em uma biografia, ou um ensaio, ou um relato de viagens, ou se em uma ficção. (Livraria Cultura)

Há uns dois anos fiz um curso de literatura, na Estação das Letras, com o José Castello. Na ocasião, ele comentou comigo que estava escrevendo um livro sobre seus sonhos. Fiquei interessadíssima pelo enredo.
José Castello está comigo todos os sábados tomando café. É minha leitura obrigatória de sábado de manhã: acordar, ir à banca da esquina comprar o jornal e tomar meu baldinho de café com leite – não posso chamar de xícara uma louça que abriga meio litro de líquido – e adoçante em pó, lendo a coluna que o Castello escreve para o caderno de literatura Prosa & Verso, do jornal O Globo. Quando viajo e não sigo esse delicioso hábito, sinto sua falta.
Quando soube que ele havia lançado o livro, no fim de 2010, quis logo lê-lo. Pouco encontrei ali dos sonhos do crítico literário e jornalista. Em Ribamar fiquei tocada pelo esforço de um pai e seu filho em entenderem-se, por todas as décadas em que conviveram, em uma relação de encorajamento e recuo. O menino (o próprio José, suponho), introspectivo, refugiava-se nos livros para tolerar a dor de existir. O pai não entende que o garoto prefere a companhia dos livros à das pessoas. Por essa razão, torna-se escritor.
“Meu filho não tem saída”, a frase me empurra, em definitivo, para dentro de mim. É daqui que escrevo, de meus subterrâneos. (p. 88)
São muitas as frases-faca que o pai profere ao filho, para que ele se enquadre naquilo que o progenitor julga ser a normalidade. O filho, um sujeito atormentado desde o berço, escreve para fugir, lê para perder-se das expectativas não cumpridas, dos planos traçados em que ele foge nas linhas de cada obra que devora.
Você dizia: “Meu filho sofre de si.” Sou minha própria doença, sou minha dor, você afirma. E, desanimado, lamentava: “Esse menino só se aquieta quando dorme.” (p. 107)
No dia dos pais de 1973, o garoto dá ao pai o livro Carta ao Pai, de Kafka, em um período em que mal se falavam. Nunca soube se o pai o leu. O presente foi encontrado em um sebo, com sua dedicatória, décadas depois. A relação que Kafka tinha com seu pai Hermann, onde faltam muitas palavras e sobram outras, é um paralelo da relação de Castello e seu pai. Todo o livro é permeado da difícil arte de ser pai e filho, dos escritores, Castello e Kafka, e seus progenitores.
Após a morte do pai, Castello vai em busca de sua história, numa tentativa de (re)conhecer este homem, conhecer outra vez. Através de suas rememorações e das lembranças de familiares e amigos, um antigo pai vai fundindo-se a um novo pai. Um retorno à cidade onde esse pai nasceu, uma travessia para compreender ou (des)ver. Ribamar tem a tensão da escrita de José Castello, tal como as suas críticas literárias. Se só as mães são felizes, a obra sugere o quão infelizes possam ser os filhos. Sempre desconfio quando alguém, com um sorriso nos lábios, relembra sua infância, em tom saudosista e queixoso dos tempos que não voltam. Esse período de identificações, incertezas, tropeços, a carga pesada das expectativas familiares… Ser adulto é melhor, então? O tom pessimista e reflexivo de Castello faz-me titubear em encontrar uma resposta. Não sei ao certo. Só sei que crescer, parafraseando Guimarães Rosa “é muito perigoso.” (Vanessa Souza no Blog  Amálgama)