14 de novembro de 2011

O CARTEIRO - Kledir Ramil

Paulo Cesar é um carteiro boa praça. Há anos entrega minha corres­pondencia e toda vez que cruza comigo tem uma manifestação de alegria. Sempre me divirto com ele, reclamando que não me traz notícia boa, só conta pra pagar. A resposta é sempre a mesma: “hoje tem uma ótima notícia: uma herança pra receber”, sem entrar no detalhe de que pra alguém receber herança, outro precisa bater as botas. Ou seja, só chega notícia ruim mesmo.

Já foi o tempo em que o carteiro trazia cartas de amor. Perfumadas, em papel rosado, com marca de batom dos lábios da mulher amada. Algumas cruzavam o oceano, vinham de terras distantes e levavam meses para chegar. Vinham de navio, de trem, a cavalo. Não, não peguei essa época, vi no cinema. Muito menos recebi cartas escritas com pena de ganso. Não sou tão antigo assim. Sou apenas um romântico incorrigível.

Com o advento do email, ninguém mais escreve cartas, as mensagens voam pela internet. E como os tempos estão cada vez mais velozes, a conversa virou meio telegráfica, tipo SMS, BBM e outras mensagens minúsculas, via celular. Aliás, telégrafo é outra coisa que nem sei mais se existe.

O bom é que hoje, através do computador, podemos ver e falar com a mulher amada, em tempo real, mesmo que ela esteja na Nova Zelândia. Dá pra matar a saudade, fazer declarações de amor. Só não dá pra abraçar e sentir o perfume. Por enquanto. O desafio da tecnologia para os próximos anos é conseguir transmitir o tato, o gosto e o cheiro das coisas. Entre elas, a mulher amada.

No tempo em que as pessoas moravam em residências sem grades, as casas tinham uma cerca baixa, com um portãozinho de madeira, flores no jardim e um cachorro. Cachorro era o terror dos carteiros. Todo quintal tinha um cão enfurecido, desses que correm atrás de qualquer roda em movimento. E a paixão de qualquer cachorro é morder perna de carteiro. É uma tara, um gen dominante do DNA canino. O bicho não pode ver um uniforme dos Correios que fica louco. O carteiro, por sua vez, não pode ouvir um latido. Entra em pânico e sai correndo. Cães e carteiros são incompatíveis.

Os carteiros estão em extinção, como o mico leão dourado e o urso Panda. Em pouco tempo não terei mais meu amigo Paulo Cesar pra fazer comentários divertidos. O mundo está ficando sem graça.

Vou sentir falta dos carteiros. Os cachorros então, nem se fala.

Extraído da coluna de Kledir Ramil (Diário de Bordo) no sítio Brasilian Voice

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