4 de novembro de 2011

ELIZABETH BISHOP: UMA POETISA AMERICANA NO BRASIL - Maria Clara Bonetti Paro

Este ano jornais e revistas, nos mais diversos países do mundo, publicarão artigos sobre uma poeta norte-americana que morou no Brasil por quase vinte anos. Trata-se de Elizabeth Bishop, nascida em Worcester, Massachusetts, em 8 de fevereiro de 1911. Este ano celebra-se o centenário de seu nascimento e muito ainda se escreverá sobre ela ao longo do ano. [...] Sua obra personalíssima é um dos pontos altos da produção lírica no século XX e, mais de 30 anos após sua morte, ocorrida em 1979, o reconhecimento de seu valor continua a crescer e a comprovar o acerto dos muitos prêmios e bolsas que recebeu em vida, como o Pulitzer (1956), o National Book Award (1969) e o Neustadt (1976).

[...] Aos 40 anos, depois de muitas viagens, um livro publicado (North & South, 1946), um prestigioso mas monótono emprego como consultora de poesia na Biblioteca do Congresso em Washington, Bishop abandona tudo e decide fazer uma viagem de navio à Terra do Fogo. Na parada em Santos, vai até o Rio de Janeiro visitar duas amigas americanas que lá moravam e conhece Lota de Macedo Soares, uma brasileira culta, articulada, amante das artes e que viria a ser a pessoa responsável pela construção do aterro e do parque do Flamengo. A paixão é imediata e Bishop nunca completaria sua viagem. [...] Vivem juntas por quinze anos. [...]

Para Bishop escrever, como ela mesma diz, era uma forma de vida; uma maneira de experimentar e não apenas de testemunhar; não era um processo de interpretar o mundo, mas o próprio processo de senti-lo. [...] Em comparação com as experimentações modernistas, ela é vista como conservadora e tradicional por não abrir mão da métrica e do emprego de poemas de forma fixa. Entretanto, uma leitura mais atenta vai revelar o quanto ela é inovadora mesmo dentro da tradição e o quanto ela tem de dicção pessoal. [...] Extremamente talentosa, sua poesia tem sua marca registrada na sutileza da harmonização da forma com a temática, a imagética, a sonoridade e a exploração do “understatement”, um dizer muito pelo mínimo. [...] 

Em 1972 coeditou uma antologia de poesia brasileira do século XX, onde apresenta traduções de poemas de vários poetas brasileiros, como Drummond, Bandeira, João Cabral, Mario de Andrade e Vinicius de Moraes. Vale ressaltar que essas traduções provocaram um impacto nela, levando-a a adotar certas medidas não tão comuns na tradição anglo-americana. Segundo Regina Przybycien, sua primeira pesquisadora brasileira, um exemplo desse caso é o ritmo de “The burglar of Babylon”, que parece ser devedor da tradução que a autora havia recentemente feito de “Morte e vida severina”, de João Cabral de Mello Neto.

[...] A casa em que morou em Great Village foi transformada em um ativo Centro Cultural interessado em preservar sua memória e em estimular estudos sobre ela e onde diversas atividades estão sendo programadas para celebrar seu centenário. Vale a pena conferir o blog do evento em elizabethibishop-centenary.blogspot.com. Também no Brasil tanto a poeta como sua arte têm despertado interesse. Seus poemas e cartas foram traduzidos por Paulo Henriques Brito e publicados pela Companhia das Letras e sua vida com Lota foi pesquisada e documentada por Carmen L. Oliveira em Flores raras e banalíssimas (Rocco), obra que foi adaptada para teatro por Marta Góes e que será transformada em filme por Bruno Barreto, com o título “A arte de perder”, tendo Gloria Pires no papel de Lota. 

Entretanto, suas obras estão fora de catálogo e sua casa em Ouro Preto, em lugar de se tornar um centro de estudos e pesquisa, [...] está sendo leiloada pela casa de leilões Sotheby’s. [...]



* Maria Clara Bonetti Paro é professora junto ao Programa de Pós-graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, Campus de Araraquara. 

** A íntegra deste artigo está no “Debate acadêmico” do Portal Unesp.

Extraído de Jornal Unesp (online) - Novembro 2011 - Ano XXII - n° 272