22 de outubro de 2011

DA ARTE DA NARRATIVA - Tony Belloto

Se você é como eu, e não gosta de saber nada sobre um livro de Philip Roth antes de lê-lo — nem sequer um parágrafo da orelha, uma frase da resenha ou o comentário informal de um conhecido —, e se você ainda não leu, mas pretende ler, Nêmesis, o mais recente romance do autor norte-americano, melhor largar minha crônica exatamente aqui: até já, depois de ler Nêmesis você volta (o romance, ou seria uma novela?, é curto).

Para aqueles que não se importam com isso, ou que já leram o romance — ou que nem pretendiam ler mas talvez tenham ficado curiosos —, quero discorrer um pouco sobre aspectos da técnica narrativa empregada por Philip Roth, mas garanto que não vou revelar muito da trama nem estragar o prazer de quem ainda vai ler o livro.

Logo na primeira página, quando o narrador começa a descrever os primeiros casos de poliomielite em Newark no verão de 1944, e que prenunciam uma epidemia devastadora, nos deparamos com a seguinte frase, a segunda do primeiro parágrafo: “Ali onde morávamos, numa área do sudoeste chamada Weequahic e ocupada por judeus, nada soubemos sobre isso nem sobre os outros doze casos espalhados por quase toda Newark e mais distantes da nossa vizinhança”. A frase configura uma narrativa clássica em primeira pessoa, o que nos faz imaginar que o livro está sendo narrado por um personagem inserido na trama, de quem logo teremos informações mais detalhadas, como nome, idade, profissão, sexo etc. O que ocorre entretanto é que a partir daí o narrador passa a contar a história de Bucky Cantor — o atlético fiscal de pátio e professor de educação física do colégio do bairro — com tal distanciamento, impessoalidade e precisão que, poucas páginas depois, nos esquecemos que se trata de uma narrativa em primeira pessoa e somos levados a crer que a história é narrada na terceira pessoa, por um tradicional narrador onipresente e distanciado da ação.

Quando chegamos à página 80 do livro é com um verdadeiro (e perturbador) susto que lemos a abertura do parágrafo no alto da página: “A manhã seguinte foi a pior até então. Mais três meninos diagnosticados com pólio — Leo Feinswog, Paul Lippman e eu, Arnie Mesnikoff”. Arnie Mesnikoff é um personagem de quem nada sabemos até ali, e continuamos sem saber depois, já que a narrativa prossegue sem referências a esse estranho “eu” que contraiu pólio quando criança e é quem nos narra tudo!

A partir daí continuamos lendo a história de Bucky Cantor, mas sabendo que Arnie Mesnikoff, seja ele quem for — um menino com poliomielite em 1944 —, nos espreita de algum lugar invisível no fundo do livro. O efeito é aterrador. Somente na página 166, na abertura do capítulo final, o terceiro, a narrativa em primeira pessoa é plenamente retomada (“Nunca mais vimos o senhor Cantor no bairro.”) e podemos finalmente conhecer quem é o intrigante Arnie Mesnikoff e como consegue nos contar com tanta precisão uma história que não é a sua.